quinta-feira, 20 de abril de 2017

A CONSTRUÇÃO DO TURISMO



O turismo, como atividade internacionalizada, faz parte dessa dialética de complementação e competitividade entre lugares e serviços; ou seja, os lugares turísticos podem ser comparados entre si, mesmo na escala global, desde que no mesmo padrão de qualidade.
            O turismo, como atividade local e global, seleciona lugares, produz territorialidades, adaptando ou substituindo atividades econômicas com distintos modos de produzir. Essa formação de redes, cadeias e polos turísticos não se dá sem conflitos de usos e pela posse da terra, sem luta competitiva de negócios, sem resistência popular e até sem evitar choques culturais.
LUGARES
            Os lugares são impregnados de história, de tradições, patrimônio naturais e culturais com forte identidade e constituem bases para o desenvolvimento do turismo. Resultam, segundo Soja (1993), de uma produção histórica, espacial e política e conferem identidade a seus habitantes. É no lugar em que se vive, se mora e se trabalha, que são produzidas as teias de relações sociais e espaciais.
            Pode-se dizer que lugares turísticos são aqueles onde o visitante se sinta tão à vontade e inserido no ambiente, ao ponto de considerar-se em unidade com o lugar, com os habitantes locais e assumir uma identidade com o lugar mesmo que temporária - ele não se sente o outro.
            É no espaço local que se constituem as experiências de cada indivíduo - residentes ou visitantes. Localmente, experimenta-se as contradições do mundo, tal como observa Santos (2005, p. 161): "Mais importante que a consciência do lugar é a consciência do mundo, obtida através do lugar."
            Os símbolos, as representações, a cultura e a arquitetura locais apresentam-se como atrativos na dimensão turística, sendo criado "um imaginário sobre os lugares turísticos idealizados pelos cartões postais, revistas, sites" (ALMEIDA, 2006, p. 15). A satisfação do turista está em conhecer o lugar do imaginário, idealizado, muitas vezes, como um paraíso.
            A lógica do mercado, entretanto, faz com que a necessidade turística de conhecer pessoas, culturas, expressões e formas de vida dos lugares torne-se secundária diante da força mercadológica de estruturação da oferta turística, sendo responsável pela organização da rede de lugares ou roteiros turísticos, das regiões e polos turísticos.
            Na conjuntura atual, os lugares e empreendimentos são levados a disputar espaços mercadológicos de forma articulada em rede e pela força regional, mudando as estratégias de resistência às imposições do mercado global. É com esta compreensão que as políticas públicas avançam e, de certo modo, conduzem as políticas comunitárias em torno da regionalização do turismo.
            A constituição de um imbricado fluxo entre as redes virtuais e materiais compõe os circuitos do mercado turístico. Esses circuitos também são materializados pelas redes de hospedagem entre grandes cadeias de hoteis, resorts, flats e mega-empreendimentos, expropriando e ocupando espaços de residentes para constituírem seus territórios.
            A transformação de lugares em territórios turísticos demanda, sobretudo do Estado, o desenvolvimento de políticas públicas para implantar redes, arranjos e regiões turísticas. Para dinamizar o ritmo da produção de lugares turísticos, programas e projetos são realizados com o objetivo de reordenar o território para implantação das empresas. Esse é o caso do Programa de Regionalização do Turismo, do Ministério do Turismo, em implantação desde 2004.
            A proposta de regionalizar territórios e produtos turísticos respalda-se nos conceitos geográficos de região e de território, espaços geográficos da relação sociedade/natureza, de interação homem versus ambientes, dando origem a diversas formas de organização territorial.



            Produtos turísticos são serviços ou atrativos que estão prontos para o consumo, ou seja, disponíveis no mercado. O que não for vendável é apenas um potencial.
            Os destinos indutores de desenvolvimento turístico devem, portanto, possuir infra-estrutura básica e turística, atrativos qualificados, tornar-se núcleo receptor e distribuidor de fluxos significativos de turistas para seu entorno de forma que dinamize a economia do território onde está inserido.
            Os gestores reconhecem a necessidade de melhorar a segurança nas capitais, diminuir problemas socioeconômicos, capacitar mão-de-obra, assim como estruturar destinos de grande potencial turístico no interior, atentando para as questões ambientais, culturais, patrimoniais e, principalmente, para a educação e o envolvimento das populações residentes.
INFRAESTRUTURA E APOIO AO TURISTA
            Os lugares se especializam em função de suas potencialidades naturais, de sua realidade técnica, ou quanto às suas vantagens sociais. Isso responde à exigência da competitividade crescente, em termos de maior segurança e rentabilidade, tal como explica Milton Santos (2002, p. 248). Cada lugar assume um papel na divisão do trabalho turístico de acordo com sua especialização.
            Os serviços básicos essenciais do turismo são transporte (deslocamento), hotelaria (hospedagem), agenciamento de viagens, entretenimento e alimentação. Os demais são serviços de apoio ao turista - daí a designação: serviços de apoio.
            As cidades turísticas não necessariamente possuem infraestrutura em todos os seus quadrantes, contudo, ocorre uma valorização turística dos bairros, avenidas e ruas melhores dotados dessa condição urbana. A política brasileira, de certo modo, beneficia a população local ao dotar infraestrutura urbana com finalidade turística.
            Vale ressaltar que, em alguns casos, as infraestruturas implantadas são para beneficiar empresas totalmente destoantes das realidades locais, que causam graves impactos ambientais e arquitetônicos, resultando em estranhamento para os residentes e até mesmo para turistas, que buscam encontrar nos lugares a cultura e a expressão locais. As necessidades dos residentes vão de encontro às necessidades do capital, resultando em conflitos sociais, tornando a comunidade elemento de resistência.




            ARRANJOS PRODUTIVOS TERRITORIAIS
            O turismo, como as demais atividades econômicas, tende a aglomerar e centralizar serviços e investimentos em determinados lugares. Isto não acontece de forma aleatória, mas segue uma organização que interessa à acumulação capitalista.
            Os clusters são exemplos de opções de desenvolvimento regional, por oferecerem potenciais para criação não apenas de vantagens competitivas e de localização, mas por criarem e aproveitarem externalidades, priorizam a infraestrutura macia (chamado capital social) e trabalharem o conhecimento tácito - a cultura, o sentimento de pertença, a intuição, os valores regionais, a emoção, dentre outros mais voltados ao homem.
clusters - Significa agrupamento, coleção, reunião, etc. Conjunto numeroso e localizado de empresas, em geral pequenas e médias, operando em regime de intensa cooperação, em que cada uma executa um estágio do processo de produção.
            O Arranjo produtivo territorial objetiva-se nos lugares por seu papel ativo, isto é, pela participação efetiva dos membros que compõem esses aglomerados, formados por pequenos negócios dos setores de hospedagem, alimentação, guias locais e entretenimentos. O objetivo maior é criar melhores condições de vida para as comunidades. Além disso, chamam a atenção do poder público para a criação de propostas e políticas públicas que deem sustentação ao desenvolvimento desses arranjos.
            TORNANDO-NOS EXCELENTES ANFITRIÕES
            O lugar com as pessoas que nele residem são os anfitriões. Prepara espaços para este acolhimento, entendendo que a hospitalidade urbana não se limita apenas a oferecer hoteis e pousadas, exige reflexões e estudos, ou seja, capacitação. Hospedar implica oferecer - além do rancho, alimentação, transportes, entretenimentos, diversões, informações, educação - uma série de serviços para que o visitante se sinta bem, como se estivesse em seu lugar.
            Até o século XVIII ninguém viajava com segurança e garantia e as pessoas estranhas aos lugares eram hostilizadas e temidas, para alguns poderia "ser Deus disfarçado para fazer julgamentos". Até 1930, aqueles que se hospedavam em pensões nas capitais brasileiras eram vistos como indignos e suspeitos.
            É com o avanço das cidades modernas que se vai pensar a hospitalidade, ou seja, preparar lugares especiais para receber bem aqueles que viajam, quando a hospedagem em hoteis passa a ser digna e confere status social.
            Além dos atrativos naturais e culturais, há outros fatores da atratividade que tornam os lugares agradáveis aos visitantes. Um deles é a hospitalidade, que implica mobilização da vontade de líderes, gestores e dos prestadores de serviços turísticos, habilidade para executá-los, evidenciando os valores da organização sociocultural local.
            A hospitalidade urbana implica também a acessibilidade, daí a importância de Planos Diretores para cuidar dos lugares, da cidade, ou seja, das condições de estrada nas cidades.
            Precisa, portanto, apresentar as referências, sinalizações, signos que orientem residentes e visitantes. Um mapa bem elaborado que indique todos os pontos da cidade é necessidade de um turista em um lugar desconhecido. Uma excelente sinalização urbana ajudaria a sinalização turística, pois quem mais necessita desta sinalização é quem na cidade habita.
 Referências:

ELIAS, D (Orgs.) Panorama da Geografia Brasileira I. São Paulo: Annablume, 2006.
____. Guerra dos Lugares. In: GONÇALVES, C. V. P. O País Distorcido. São Paulo: Publifolha, 2002.

UM CASO REAL
Novo Jeito de Caminhar

            No Estado do Amazonas, onde o turismo não é tão intenso, o município de Silves, localizado em uma ilha fluvial a 300 km de Manaus, vive uma experiência exitosa em termos de organização comunitária, proteção ambiental e preservação da cultura em torno de uma proposta alternativa de turismo. Para isso, realizaram ações de controle, recuperação, defesa e conservação dos recursos naturais e culturais criando a Associação de Silves para a Preservação Ambiental e Cultural (ASPAC).
            Descobriram o que cada residente sabia fazer, o que produzia, o que conhecia sobre lagos e natureza, para inserir estes saberes nas atividades do projeto, responsabilizando produtores e turistas quanto aos impactos. Assim, definiram um projeto comunitário de ecoturismo que conserva  o meio ambiente, valoriza as pessoas, a cultura, gera oportunidade de trabalho, envolve residentes e amplia a participação de todos.
            Construíram o Hotel Aldeia dos Lagos, em área cedida pela prefeitura. Depois de treinada e capacitada, a comunidade assumiu a gestão dos negócios turísticos. As comunidades ribeirinhas do entorno de Silves foram convidadas a fornecer os produtos necessários ao hotel, aumentando assim a produção e a venda dos produtos rurais, do pescado, artesanato e incentivando a produção de novos produtos. Isto é, desenvolveram arranjos produtivos locais que vieram reforçar a cadeia produtiva do turismo em ambiente de economia solidária.
            A maioria passou a se interessa direta e indiretamente pelo turismo, envolvendo-se com os serviços turísticos, desde guiamento, definição das trilhas, condução dos barcos para pesca e passeios, produção de alimentos, pescarias, cultivo de hortas orgânicas, coleta de frutas dentre outras atividades que realizam. Estruturaram a primeira Cooperativa de Turismo da Amazônia que congrega associados e articula os trabalhadores dos serviços turísticos.
            O projeto caminha para auto-sustentação, a gestão é comunitária com participação de instituições governamentais e ONGs. Silves agora aparece nos roteiros nacionais como um caso de sucesso no eixo comunitário, ampliando atrativos. O que lembra o poeta amazonense Thiago de Melo: "Não tenho um caminho novo. O que eu tenho de novo é um jeito de caminhar."

Curso da Fundação Demócrito Rocha (2012)

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